Os dois São Mateus de Caravaggio

Certos personagens históricos representam muito bem o espírito do seu tempo e o pintor italiano, Michelangelo Caravaggio, que viveu entre os séculos XVI e XVII, é um deles.

A história do seu quadro “A inspiração de São Mateus”, por exemplo, nos mostra bem o que foi a mentalidade renascentista tardia daquela época.

Tendo sido encomedada pelos padres da capela de São Luis dos Franceses, de Roma, essa obra teria sido rejeitada por eles, por a acharem indigna, o que levou Caravaggio a pintar um segundo quadro, este sim, aprovado pelos clérigos.

A cena de ambos era a mesma: São Mateus escrevendo o Evangelho sob a orientação do anjo. No entanto, a forma de retratá-la foi muito diferente.

No primeiro quadro, São Mateus é mostrado confortavelmente sentado, com as pernas cruzadas, escrevendo numa postura firme e concentrada, refletindo sobre o texto. O anjo é colocado no mesmo nível dele, conduzindo suas mãos, como se, em pareceria, ambos estivessem construindo a narrativa.

Já no segundo quadro, o apóstolo é mostrado desajeitado, sobre um banquinho improvisado, com os pés flutuantes, parecendo se preocupar apenas em transcrever a mensagem ditada pelo anjo, que se encontra num nível superior. Não há ali reflexão, apenas temor e obediência.

A impressão é que Caravaggio primeiro quis expor sua visão humanista, retratando o apóstolo numa postura ordinária e o divino mais próximo dos homens. Com a rejeição do quadro, parece que ele decidiu agradar os contratantes e apresentou uma cena mais de acordo com a visão religiosa deles, retratando um servo obediente, servil e temeroso, pronto para cumprir sua missão indiscutivelmente.

De qualquer forma, essas duas pinturas de Caravaggio apresentam bem a mentalidade daquela período que experimentava um típico caráter dualista de um tempo de transição, oscilante entre uma religiosidade obediente, que preserva um senso de hierarquia e autoridade, e uma individualidade independente, que impõe sua vontade e tenta pensar por si mesma.

Caravaggio, portanto, representa bem o espírito de sua época e seus quadros estão aí para contar essa história para nós.


Por: Fabio Blanco / Filosofia Integral

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